The Floating Bear, revista na forma de newsletter editada por Diane
di Prima e LeRoi Jones, de 1961 a 1971, era batida à máquina em papel A4,
grampeada, dobrada e enviada gratuitamente para uma lista de artistas pelos
correios. A Floating Bear chegou a ter 1300 assinantes e, apesar da bem-vinda
popularidade, Diane di Prima publica, na edição #35, um pedido para que as
pessoas confirmem se gostariam de permanecer na lista porque o envio era
caro e trabalhoso: “Se você quer continuar a receber a Bear entre em contato”.
Nos primeiros dois anos, Diane di Prima e LeRoi Jones produziram 25 números da
publicação. LeRoi Jones já vinha editando também a revista Yugen e conduzindo
a editora Totem Press com Hettie Jones. Fazer a Floating Bear era uma tarefa coletiva.
Em uma das edições há um anúncio pedindo uma mãozinha para bater os poemas à máquina.
Alguns artistas se encontravam aos domingos, a cada quinze dias, no apartamento
de Diane di Prima na East Fourth Street para produzir a publicação, com
periodicidade semi-mensal, como diz no cabeçalho, e endereçar envelopes.
Ao todo, foram 38 edições, sendo que, a partir do número 26, Diane passou a
editá-las sozinha, porém com a ajuda de editores convidados como Bill Berkson,
John Wieners e Alan Marlowe. Com a mudança de Diane di Prima para São Francisco
em 1968, as capas da revista passaram a ter ilustrações de artistas como George
Herms, Jess, and Wallace Berman que moravam na California. Uma dessas capas
inclusive foi desenhada pela filha de Diane, Jeanne di Prima.
A Floating Bear publicava de tempos em tempos pedidos bem humorados para
que os leitores colaborassem com dinheiro para compra de selos como nesses
versinhos atribuídos a Hesíodo “Precisamos de grana / ou a Bear se dana”.
Ou ainda “Enviem amoras-dólares para a Bear!’!’!’!”. O intuito da publicação
era trazer notícias literárias e publicar o que estava sendo escrito praticamente
enquanto estava sendo escrito. Uma boa parte dos poemas dá a sensação de
estar ouvindo conversas por acaso no metrô, numa esquina qualquer, ou tomando
café da manhã na padaria. John Wieners, por exemplo, publicou diversas versões
de um mesmo poema. Havia em torno da Floating Bear uma família estendida que
inclusive fundou, em 1961, a companhia de teatro New York Poets Theatre para
produzir peças de um ato só, happenings e apresentações de dança e música.
Os fundadores da companhia, James Waring, Fred Herko, LeRoi Jones, Diane di
Prima e Alan Marlowe, também produziam textos críticos sobre dança e exposições.
É comum encontrar nas edições críticas às críticas em forma de cartas: “Nós não
precisamos da simples opinião de ninguém, embora, com certeza, todas as
críticas sejam, até certo ponto, uma opinião: mas um apreciador ou crítico
não nos dará ou não nos poderá dar uma incisão objetiva sobre o que está
criticando é simplesmente um político. Quais são os seus parâmetros para a
excelência Sr. Marlowe? Por que devemos acreditar na sua palavra?”.
O New York Poets Theatre chegou a encenar peças de um ato de LeRoi Jones,
Diane di Prima, Frank O’Hara, Gertrude Stein, Alan Marlowe e Kenneth Koch.
Não só poetas Beat, como Allen Ginsberg e Jack Kerouac, publicaram na Floating Bear,
mas também poetas que partilhavam outros interesses como Jack Spicer, Robin Blaser
e Robert Duncan da San Francisco Renaissance; John Ashbery, Frank O’Hara e Bill
Berkson da New York School; Charles Olson, Joel Oppenheimer, Fielding Dawson,
Robert Creeley, Ed Dorn e John Wieners ligados à escola experimental Black Mountain
College, onde John Cage fez o primeiro happening da história (fundada em 1933,
a escola fechou em 1957 e teve grande influência sobre os movimentos artísticos
e literários da década de 1960). Dentre as mulheres, estão, além da Diane di Prima,
Denise Levertov, Anne Waldman, Elisabeth Sutherland, Shiela Plant, Anne Wilson,
Barbara Guest e Lenore Kandel.
Naquela época havia uma perseguição ao estilo de vida Beat com frequência
resultando na apreensão de livros como aconteceu com Love Poems, de Lenore
Kandel, confiscado pela polícia em 1966 nas livrarias City Light Books e
Psychedelic Book Shop, em São Francisco. Na costa leste, LeRoi Jones e Diane
di Prima também foram alvos da censura, e autuados em 1961, quando agentes de
um reformatório onde estava preso um leitor da Floating Bear, interceptaram
a edição #9. A revista trazia, segundo os dois inspetores dos correios e um
agente federal que apareceram certa manhã na casa de LeRoi, dois textos
pornográficos, The System of Dante’s Hell, escrito por LeRoi Jones e
The Routine, de William Burroughs. Com a ajuda financeira dos leitores,
para custear o advogado, os editores da Floating Bear prepararam uma defesa ancorada
na soberania do artista para decidir o que seria ou não uma obra e foram absolvidos.
As histórias que acompanham cada trabalho publicado na Floating Bear
são muito singulares. Além disso, traduzir os poemas é como identificar
uma comunidade de escritores e seus hábitos de leitura, cada um com
influências próprias. John Wieners em “Ode ao instrumento” faz uma versão
de um poema de Li Po que tinha sido parafraseado por Ezra Pound. O poema
é uma homenagem ao namorado de Wieners, Dana, que teria acompanhado o poeta
até o Black Mountain College. Após algumas semanas se sentindo deslocado
no contexto experimental da escola, onde Wieners frequentava as aulas de
Charles Olson, Dana teria voltado para casa, o que motivou a escrita do poema,
que em chinês narra a espera de uma moça pelo marido mercador.
As linhas que conectam as pessoas fazem zigue-zague. Fielding Dawson, artista
gráfico e escritor também ligado ao Black Mountain College retratou Charles
Olson num desenho e dedica seus microcontos ao pintor Philip Guston, assim como
também faz o poeta Joel Oppenheimer. Além dos poetas que estavam escrevendo
na época, a Floating Bear também publicou traduções, de Blaise Cendrars à
Bertold Brecht, passando pelo tao te ching. Nesta edição, há uma tradução
para o inglês de um poema japonês (talvez tenha sido traduzido pelo próprio
poeta, Yu Suwa, que editava a revista Subterraneans, no Japão, nos anos 1960,
dedicada aos poetas Beat). Queríamos que os poemas em português traduzissem
a polifonia da Floating Bear e por isso propusemos um mutirão de tradução.
Cada tradutor ou tradutora escolheu um ou mais poemas dentre uma seleção que
fizemos a partir das 38 edições. Nem todos os poetas publicados na Floating Bear
constam nesta compilação, mas traduzimos também comunicados, críticas
e pedidos para transmitir um pouco da atmosfera da época.
***
A Floating Bear precisa de dinheiro para papel & selos.
Kaddish, de Allen Ginsberg (City Lights) deve sair a qualquer momento.
Os poemas devem permanecer num equilíbrio incerto entre o que é “real” e o que é “ideal”.
ENVIE A QUANTIA QUE PUDER, ASSIM QUE VOCÊ PUDER.
O New York Poets Theater está procurando peças. Envie para 309 East Houston Street, New York 2, New York.
A Floating Bear declara sua pobreza abjeta.
Obrigada a todas as pessoas que ajudaram a Bear a comprar sua própria máquina de mimeógrafo, especialmente a Peter Hartman, Lita Hornick e Howard Schulman.
As críticas que aparecem na Floating Bear expressam (esperamos) a opinião do crítico, e com frequência de mais ninguém, incluindo os editores.
A Floating Bear quer ser impressa a cada quinze dias. Também precisa que sua lista de mailing seja batida à máquina de tempos em tempos. Se você pode ajudar, por favor ligue para Diane di Prima CA 8-5320, ou escreva para a Bear.
O New York Poets Theatre está preparando sua temporada. Procura-se: peças, performers (atores, bailarinos, músicos, pessoas), técnicos, dinheiro, espaço para teatro, amor, encorajamento etc. Enviem suas peças para o teatro a/c The Bear. Performers devem deixar cartões postais no mesmo endereço, para que possam ser avisados sobre datas e localização das audições.
Comprem os livros da Gertrude Stein que restam na livraria Eighth St.!
Não é engraçado
como o Urso precisa de um trocado?
- Winnie the Pooh
Quantas vezes
tenho que passar pelos correios
sem dinheiro nos bolsos?
– Haicai japonês moderno
ATENÇÃO, FÃS E VICIADOS NA FLOATING BEAR
Com esta edição dupla da Floating Bear (a edição na costa leste foi
de Bill Berkson, na costa oeste foi de Diane di Prima), chegamos
ao fim de uma era.
A Bear ficou pesada (grande demais). A lista de mailing contém
mais de 1300 nomes. As edições ficaram muito grandes, e o custo
dos correios é exorbitante, então a gente leva tempo demais
para conseguir despachar a Bear. As edições que você tem agora
em mãos foram impressas em janeiro! Levamos todos esses meses
para organizarmos a lista de mailing, juntarmos as coisas,
enfiarmos tudo nos envelopes para levantar a grana dos correios.
O que eu gostaria de fazer é reduzir a lista de mailing da Bear
para aproximadamente 500 a 700 nomes. O modo como farei isso é removendo
da lista qualquer e toda pessoa de quem não ouvi nada de algum modo ou
forma até o equinócio do outono (a hora da próxima Bear aparecer).
SE VOCÊ QUER CONTINUAR A RECEBER A BEAR ENTRE EM CONTATO & marcarei
que você fez isso no seu cartãozinho de arquivo. Para aqueles que não
têm nada em particular para dizer, segue abaixo um cupom fácil de preencher.
As Bears vão começar a ser quadrienais: nos equinócios da primavera
e outono e nos solstícios do verão e inverno. Elas vão continuar a ser
mais ou menos notícias “literárias”: poemas, listas de livros, o que
sempre têm sido. (Notícias para a sobrevivência vão continuar a sair
semanalmente, ou pelo menos duas vezes por mês numa newsletter chamada
“The Brain of Pooh”).
Quando você devolver o cupom, ou seu equivalente, envie dinheiro, se
for possível. O papel do mimeógrafo aumentou em 40% no ano passado,
e os selos – todos sabemos dos selos.
E tenham um ótimo verão.
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Por favor continue a me enviar THE FLOATING BEAR __.
Envio contribuição no valor de ______.
Nome ______________________________________________
Rua _______________________________________________
Cidade ____________ Estado _____________ CEP ______
__ Por favor me envie mais informações sobre THE BRAIN OF POOH.
Eu declaro, digo e prometo notificar vocês sobre mudanças de endereço assim que elas ocorrerem.
Luiza Leite e Thais Medeiros